A ministra da Saúde, Sílvia Lututuca, os seus secretários de Estado, directores nacionais e provinciais estiveram em visita de campo no bairro Paraíso na segunda e terça feiras, dois dias seguidos. Estranho é até ao momento em que fechava este Editorial não ter qualquer registo da presença no terreno do governador de Luanda, Luís Nunes. Embora seja o epicentro do surto de cólera e a zona em que se regista o maior número de mortos, o bairro ainda não recebeu a visita e o calor do edil da nossa cidade capital.
"GPL na Comunidade" é uma iniciativa inédita lançada pelo seu antecessor e que estabelece um novo paradigma de governação de proximidade, em que se procura consolidar não apenas de um governador, mas também se projecta um espaço onde a acção colectiva, a implementação de políticas, o providenciamento de recursos e o aprimoramento de competências ganham espaço, atenção e acolhimento dos cidadãos. Afinal, o que se quer hoje é uma governação presente, eficiente, inclusiva, participativa e sustentável?
Os novos tempos reforçam a necessidade de uma acção política e governativa de proximidade com lideranças políticas capazes de interpretar desejos e de ir ao encontro dos anseios e expectativas dos cidadãos. Hoje, os cidadãos sentem a necessidade de ser ouvidos, de ser desafiados a participar na tomada de decisões, de partilhar os seus problemas, de ser tidos e achados. Faz falta aquilo a que chamo de pedagogia de afectos por parte de quem governa e que os prepare e ensine a ouvir, a assumir as suas responsabilidades e a caminhar na busca de soluções.
Esta dinâmica de participação dos cidadãos, de assumirem um relacionamento, um compromisso com os governantes e instituições, é que deve ser consolidada. Os moradores do Paraíso não podem ouvir as sirenes dos batedores, ver os jeeps de alta cilindrada e sentir a presença dos governantes apenas quando há surtos de cóleras, quando se trata de criminalidade ou em períodos de campanha eleitoral.
A governação participativa, de inclusão e de proximidade, é um elemento importante na afirmação da democracia e da cidadania. Se querem fazer governação de gabinetes e estar distantes dos cidadãos e eleitores, então aprovem as autarquias e, assim, permitirão uma maior aproximação dos cidadãos aos seus governantes.
São mais de 100 mil cidadãos, subdivididos em 44 quarteirões, que vivem num bairro que enfrenta vários desafios estruturais. Os cidadãos das zonas dos Bakongos, Pedreira, Santa, Tendas, Maria do Céu, Catanas e outras de um bairro a que decidiram dar o nome sugestivo de Paraíso querem habitação, melhorias no sistema de saúde e saneamento básico, acesso à água e luz, emprego, segurança, educação, espaços de lazer e de recreação, entre outras coisas. A recolha de lixo é uma miragem.
O cheiro nauseabundo, charcos de água parada com vermes e moscas, viver neste Paraíso é um desterro, uma condenação. Paraíso é o bairro do "wowo", um fenómeno que invadiu as ruas do bairro, um grito de guerra que passou a designar ataques, resumindo, é uma luta feroz entre grupos rivais ou gangues organizadas. Um jogo de morte protagonizado por menores, que, para além de assaltarem residências, lutam entre si com o que tiverem à mão: catanas, pedras, paus, ferros e armas de fogo. A violência passou a ser uma manifestação de poder, um grito de revolta e uma linguagem que têm e usam para se fazerem ouvir. Este é um Paraíso que mais se parece com um inferno.
Durante a reportagem do NJ pelo bairro Paraíso, foi-me relatado que muitas pessoas morreram fora das unidades hospitalares. Isso quer dizer que muitas mortes têm ocorrido sem que haja assistência médica, até pela ausência de prevenção e de cuidados primários de saúde. A aposta massiva nos cuidados primários de saúde é fundamental para fazer face a situações e surtos como este. É preciso assumir que houve falhas e dificuldades na prevenção. Mas também é importante dizer que o Governo esteve bem nos timings de reacção e pela forma como está a comunicar em situação de crise. Não é menos importante afirmar que a experiência adquirida e os meios investidos na Covid-19 devem entrar em acção nestes momentos, os hospitais de campanha, os planos de contingência, a gestão e utilização de recursos, a assistência médica e medicamentosa, entre outros. O País que constrói unidades hospitalares terciárias de ponta e que investe milhões em cirurgia robótica não pode estar a ser assim "infernizado" por um surto de cólera, um surto agudizado pela falta de água que Luanda vive nas últimas semanas.
Um inferno chamado Paraíso e de um "Paraíso" chamado Angola!
Nota: O jornalista Reginaldo Silva aceitou o desafio e será o director convidado do NJ da próxima semana, a edição alusiva ao 17.º aniversário desse semanário.